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Tucanuçu voando na Mata Atlântica

A Mata Atlântica está ficando mais jovem. Má notícia. Estudo revela devastação “oculta” de florestas mais antigas do bioma.

Dentre os muitos problemas ambientais que o Brasil enfrentou nas últimas décadas, um deles, pelo menos, parecia estar relativamente bem resolvido: o estancamento da destruição e a recomposição (ainda que lenta) das florestas da Mata Atlântica. Dados de monitoramento por satélite mostram que a cobertura florestal do bioma vem aumentando desde 2005, graças a uma série de iniciativas (tanto por parte do poder público quanto da sociedade civil) de redução do desmatamento e de incentivo à recuperação de áreas previamente desmatadas. Mas o cenário não é tão positivo quanto parece.

Mesmo com esse aumento da cobertura florestal, impulsionado pelo crescimento de novas matas, a derrubada das matas nativas mais antigas continua a ocorrer em níveis alarmantes, segundo um estudo publicado em 20 de janeiro último, na revista Science Advances. Isso é preocupante porque as florestas mais antigas, ou “maduras”, são as que armazenam mais carbono e abrigam a maior quantidade de espécies nativas do bioma, necessárias para repovoar essas florestas mais novas que ainda estão em fase de crescimento.

Fazendo uma analogia: a população está aumentando porque estão nascendo muitos jovens, mas a mortalidade de pessoas idosas continua muito alta — e sem esses idosos para transmitir seus conhecimentos às novas gerações, o futuro é incerto. A nova Mata Atlântica pode não ser como a de antigamente; com prejuízos potencialmente irreversíveis para os serviços ecossistêmicos essenciais que são prestados pelo bioma, como produção de água, regulação climática e manutenção da biodiversidade.“Temos que olhar a dinâmica de ganho e perda de florestas levando em conta também o tipo de floresta”, diz o autor principal do estudo, o geógrafo Marcos Rosa, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP), especialista em cartografia digital e sensoriamento remoto. “Estamos ganhando em cobertura florestal, mas estamos ganhando uma mata muito pobre.”A perda das florestas mais maduras, segundo ele, compromete de forma significativa os ganhos obtidos com a regeneração de florestas mais jovens. Essas matas mais recentes podem ser extremamente importantes para aumentar a conectividade de fragmentos florestais e recomposição da cobertura vegetal de áreas de preservação permanente, como margens de rios e encostas de morros; mas elas precisam de um tempo de maturação para recuperar 100% da sua composição original — um processo que pode levar de 60 a 80 anos. “Temos que continuar recuperando florestas, sim; mas ainda temos que estancar, também, essa sangria do desmatamento”, afirma Rosa, que fez a pesquisa para sua tese de doutorado no Programa de Geografia Física da FFLCH.

É a primeira vez que um estudo faz essa qualificação cronológica do desmatamento na Mata Atlântica. A pesquisa foi feita em parceria com o projeto MapBiomas, utilizando imagens de satélite com resolução de 30 m, para o período de 1990 a 2017.
Os resultados indicam que o bioma ganhou cerca de 150 mil hectares por ano de novas florestas nesse período, mas continuou a perder entre 80 mil e 220 mil hectares por ano de florestas — incluindo florestas maduras (com mais de 30 anos) e florestas jovens, que voltam a ser derrubadas após alguns anos de regeneração. O resultado, no fim das contas, é um bioma em processo de “rejuvenescimento”, composto por uma parcela cada vez maior de florestas jovens, com menos espécies, menos carbono e menor capacidade de produção de água, entre outros prejuízos.
“Nós revelamos que a aparente estabilidade da cobertura florestal nativa observada nas últimas décadas tem ocultado a destruição de florestas antigas, que são insubstituíveis. Nossos resultados indicam um processo alarmante de rejuvenescimento da cobertura florestal e distribuição espacial desigual em áreas menos atraentes para a agricultura mecanizada, o que pode ter efeitos deletérios na conservação da biodiversidade e nos serviços ecossistêmicos”, escrevem os pesquisadores, na Science Advances.
Cerca de 11% da cobertura florestal do bioma hoje é composta de florestas muito jovens, com menos de 20 anos, segundo o estudo. O nível de isolamento dessas florestas também aumentou em 36% das áreas examinadas, o que reduz ainda mais as possibilidades de essas matas recuperarem suas características e funções originais.
“A gente tinha a impressão de que a situação estava sob controle, mas não está”, diz o ecólogo Jean Paul Metzger, professor titular do Instituto de Biociências da USP e autor sênior do trabalho. A Lei da Mata Atlântica, de 2006, garante proteção integral para florestas do bioma com mais de 10 anos de idade, mas a implementação da legislação é falha. “Se continuarmos perdendo essas matas mais antigas e não deixarmos as matas jovens amadurecerem, será um prejuízo muito grande”, afirma Metzger. “Estamos trocando algo maduro, consolidado, por algo que estará sempre em desenvolvimento.”
“A lei é importante não só para a floresta, mas também para a qualidade de vida da população, já que 72% dos brasileiros vivem em áreas de Mata Atlântica e são beneficiados por ela, com serviços como a regulação do clima, abastecimento de água e turismo“, diz a diretora executiva da Fundação SOS Mata Atlântica, Marcia Hirota, que também assina o estudo.
A perda de florestas maduras está concentrada nas matas de araucária do interior do Paraná e Santa Catarina, e nas matas secas do nordeste de Minas Gerais e sul da Bahia, onde o desmatamento é impulsionado principalmente pelas indústrias de carvão e siderurgia. No cenário geral, as áreas de floresta nativa desmatadas nesse período foram ocupadas principalmente por pastagens (36%), plantações (19%) e monoculturas de pinus e eucalipto (16%), segundo o estudo.
No Estado de São Paulo, o cenário é mais positivo. Houve um ganho significativo de cobertura florestal, principalmente no interior do Estado, e os desmatamentos são bastante pontuais. A regeneração ocorre tanto de forma espontânea, em áreas desmatadas que foram desocupadas, quanto por projetos ativos de reflorestamento. “Quando você entende melhor os processos você consegue atuar melhor sobre eles”, afirma Rosa. “O mais importante agora é evitar retrocessos.”
Fonte: Herton Escobar em Jornal da USP
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