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Arte – Humberto Teixeira, O Doutor do Baião

Capa do disco "Eu Sou O Baião" de 1953

Eu vou mostrar pra vocês como nasceu o Baião

Quando se ouve o famoso baião Asa Branca, todo mundo lembra imediatamente de Luiz Gonzaga, o rei do baião. Pouca gente sabe que o popular cantor de Exu (PE) teve um parceiro, nesse e em muitos outros grandes sucessos que estão na boca do povo há décadas pelo Brasil afora – caso de Assum Preto, Juazeiro, Paraíba e Qui nem Jiló.

Esse parceiro se chamava Humberto Teixeira que além de letrista e músico inspirado, também foi advogado e deputado federal. Conhecido como “Doutor do Baião”, Teixeira notabilizou-se pela defesa dos direitos autorais dos músicos e pela divulgação internacional dos ritmos nacionais.

Humberto Teixeira

Humberto Cavalcante Teixeira (Humberto assinava Cavalcanti), nasceu em 05 de janeiro de 1915, em Iguatu, centro-sul do Ceará, no semiárido nordestino. Desde criança interessou-se por música, sendo sua primeira composição a Valsa Triste. Estudou bandolim e flauta. Aos 13 anos teve sua primeira composição editada, Miss Hermengarda. Dois anos depois, deixou a capital cearense para fixar-se no Rio de Janeiro, com o objetivo de estudar medicina.

Os primeiros passos

Em 1934, seu samba Meu Pedacinho ficou em quinto lugar no concurso carnavalesco de sambas e marchas da revista O Malho.

A partir de 1940, o Brasil e a música do povo sofreriam os reflexos da Segunda Guerra Mundial. A música popular se ressentiu em qualidade e em quantidade. As emissoras de rádio estavam mais ocupadas em transmitir todos os lances do conflito e os próprios compositores não encontravam inspiração para trabalhar.

Humberto Teixeira o Doutor do Baião
Humberto Teixeira o “Doutor do Baião”

Acabou desistindo da medicina e optando pelo direito e em 1943, diplomou-se pela Faculdade Nacional de Direito do Rio de Janeiro, passando a exercer advocacia, paralelamente às atividades musicais.

Seu primeiro êxito em gravação foi Sinfonia do Café (com Lírio Panicali), feita especialmente para Muiraquitã, espetáculo encenado no Teatro Municipal. A gravação abriu caminho para muitas outras composições de Humberto Teixeira: Deus Me Perdoe (Ciro Monteiro), Só uma Louca Não Vê (Orlando Silva), Meu Brotinho (Francisco Carlos) e Natalina (Quatro Ases e Um Coringa).

O fim da guerra indiretamente trouxe uma avalanche de músicas norte-americanas ou importadas pelos Estados Unidos. A indústria do lazer representava a consolidação cultural norte-americana nos filmes, discos e música popular.

O início de uma revolução musical

Em 1945, Luiz Gonzaga estava à procura de um letrista que se interessasse pelos ritmos nordestinos, pouco conhecidos no restante do país. Luiz resolveu procurar um parceiro nordestino, Lauro Maia, que com muita modéstia escusou-se de tomar parte na iniciativa, mas indicou-lhe quem poderia ajudá-lo: Humberto Teixeira (Humberto era seu cunhado. Lauro Maia era casado com a irmã de Humberto, Djanira).

Logo no primeiro encontro, surgiram os compassos de Pé de Serra, e a “sanfonização” de uma linda peça que viria a se tornar na imortal Asa Branca.

Na voz do parceiro Luiz Gonzaga, Asa Branca ganhou o mundo

O mais importante daquele encontro, porém, foi o comum acordo a que chegaram a respeito do baião: entre os inúmeros ritmos nordestinos, aquele era o mais “estilizável” e “urbanizável”. O mais apropriado, portanto, em suas características e tipicidade, para lançamento da campanha musical que os dois resolveram deflagrar a partir daquele momento.

Assim nasceu o Baião (“Eu vou mostrar pra vocês como se dança um baião…”), primeiro desse gênero gravado em todo o mundo. Com uma batida uniforme do princípio ao fim (“feito pra dançar”), o baião de Humberto e Luiz substituía os instrumentos originais (viola, pandeiro, botijão e rabeca) pelo acordeão, triângulo e zabumba.

Foi uma revolução. A música popular brasileira, que então oscilava entre o samba-canção e os ritmos importados dos Estados Unidos, foi surpreendida por algo completamente novo e gostoso, o baião, que deu uma sacudida em quatro séculos de nossa música.

Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira
Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira

Houve, a partir daí, uma mudança de rumos da MPB. O ritmo buliçoso e descontraído do baião, com todo o Nordeste dentro dele, através de suas histórias e de seu povo, foi a moldura ideal para os êxitos de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira.

Em meados da década de 40, o compositor conheceu Mangaratiba, cidade localizada na Costa Verde do estado do Rio de Janeiro e construiu a primeira casa na praia de Guity. Como gostava de dar nome às suas casas, Humberto a chamou de Ibacanhema (ybaca=céu + canhema=fugir = fugir pro céu = refúgio no céu). Este era o seu retiro de férias e finais de semana com a família, onde periodicamente recebia ícones da música brasileira como o parceiro Luiz Gonzaga, Carmélia Alves, Dalva de Oliveira, dentre outros. Com o parceiro Lua, compôs a música Mangaratiba, sucesso nas rádios de todo o Brasil na época, eternizando sua paixão pela cidade. Em sua homenagem, a principal rua do bairro Guity leva seu nome.

Humberto e seu barca Asa Branca na praia de Guity, Mangaratiba, RJ
Humberto e seu barco Asa Branca na praia de Guity, Mangaratiba, RJ

Em 1946, foram gravadas Deus me perdoe e Só uma louca não vê (ambas com Lauro Maia), gravadas respectivamente, por Ciro Monteiro, na Victor, e Orlando Silva, na Odeon. Ainda nesse ano, lançou a primeira composição com Luiz Gonzaga, Baião, interpretada pelos Quatro Ases e Um Curinga em disco Odeon, em que apareciam instrumentos como acordeon, triângulo e zabumba, pouco divulgados no cenário musical da época, dominado pelo samba, samba-canção e ritmos importados.

Assista ao vídeo de Chambinho do Acordeon do programa Sr. Brasil de Rolando Boldrin cantando Mangaratiba:

O lançamento do primeiro baião teve grande sucesso e deu início a uma série de êxitos da dupla, que durou até inícios da década de 1950, como Asa Branca, No Meu Pé de Serra, Mangaratiba, Juazeiro, Paraíba, Qui Nem Jiló, Baião de Dois, Assum Preto e Lorota Boa, entre outros.

Apesar de ser conhecido como “letrista” de Luiz Gonzaga, Humberto era um músico completo e também tem composições só suas, como o baião Kalu, grande sucesso na voz de Dalva de Oliveira. Outros parceiros foram Sivuca (com quem compôs Adeus, Maria Fulô, que teve leitura psicodélica feita pelos Mutantes em 1968), seu cunhado Lauro Maia (Deus Me Perdoe, Só uma Louca Não Vê, Poema Imortal) e Lírio Panicalli (Sinfonia do Café).

Graças à força e à veemência de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, o baião não somente se reteria nos anos 50 – a década do samba-canção – como determinaria o aparecimento de dezenas de intérpretes e compositores, o maior dos quais foi Jackson do Pandeiro.

Veja e ouça o Baião na voz de João Cláudio Moreno acompanhado pela Cantata Gonzaguiana – Orquestra Sinfonica de Teresina, sob a regência e arranjos do maestro Aurélio Melo:

Outros artistas se reuniriam ao movimento: Zé do Norte, Zé Gonzaga (irmão de Luiz) e Vanja Orico, cantora e atriz internacional (lançada por F. Fellini na Itália – 1948), que colheu um triunfo mundial com a trilha de O cangaceiro (Lima Barreto, 1953), especialmente Muié Rendeira.

O baião ganha o mundo!

Humberto foi eleito três vezes consecutivas o melhor compositor do Brasil pela crítica especializada. Criou programas geniais na Rádio Nacional, dentre eles “No mundo do Baião”, em parceria com o genial Zé Dantas, onde conquistava um espaço definitivo para a música nordestina.

Em 1950, foi eleito deputado federal, trabalhando incansavelmente pela consolidação dos Direitos Autorais, até então inexistentes. Em 1958 conseguiu a aprovação, pelo Congresso Nacional, da Lei Humberto Teixeira, para a formação de caravanas artísticas de divulgação da música popular brasileira no exterior.

Da esq. para a dir.: Louis Armstrong, o Presidente Juscelino Kubitchek e Humberto Teixeira em banquete oferecido pelo governo brasileiro ao ilustra músico americano na década de 60
Da esq. para a dir.: Louis Armstrong, o Presidente Juscelino Juscelino Kubitschek e Humberto Teixeira
em banquete oferecido pelo governo brasileiro ao ilustra músico americano na década de 60

A primeira delas foi no mesmo ano para a Europa, integrada pelo conjunto Os Brasileiros, do qual faziam parte o Trio Iraquitã, os instrumentistas Abel Ferreira, Sivuca, Pernambuco, Dimas e o maestro Guio de Morais, apresentando-se em várias capitais. Seguiram-se várias caravanas, até 1964, sempre dirigidas por ele, que se tornou compositor internacionalmente conhecido, com obras gravadas em vários idiomas.

Em 1966, Asa branca foi regravada por Geraldo Vandré no LP Hora de Lutar (RGE).

Reconhecimento dos artistas

A partir de 1967, reiniciou sua luta pelo direito autoral, sendo eleito, em 1971, vice-diretor da UBC. Um ano depois, o grupo baiano liderado por Gilberto Gil e Caetano Veloso interessou-se pelo baião, tendo incluído em seu repertório vários sucessos seus com Luiz Gonzaga.

Veja Caetano Veloso interpretando Asa Branca em 1972:

Lucy Alves cantando Qui nem Jiló

Asa Branca por Elis Regina e Hermeto Pascoal em Montreux 1979

Na Philips, Caetano Veloso gravou Asa Branca e Gal Costa, Assum Preto. Além disso, outras músicas da dupla foram incluídas em shows do grupo. Teve mais de 400 composições gravadas por importantes intérpretes da nossa música, como Carmélia Alves, Orlando Silva e Araci de Almeida, entre muitos outros. Além de Luiz Gonzaga, Felícia Godói e Lauro Maia foram seus parceiros constantes, tendo composto ainda com Sivuca e com o maestro Copinha. Obteve grande sucesso com o baião, mas escreveu também sambas, marchas, xotes, sambas-canções e toadas.

Humberto faleceu no Rio de Janeiro em 03 de outubro de 1979, vítima de enfarto, depois de uma pródiga carreira de 35 anos de muito sucesso.

O Esquecimento da Mídia e de Historiadores da MPB

Os arquivos dos jornais brasileiros – inclusive os cearenses – são incrivelmente pobres em relação a Humberto Teixeira. Quase nada foi registrado enquanto o “Doutor do Baião” estava vivo. Com sua morte, o nome do autor de Asa Branca caiu, inexplicavelmente, em um esquecimento ainda maior.

De tão pouco lembrado, o destino já fez sua fama: ser o compositor esquecido das grandes músicas que marcaram parte da vida musical do “Rei do Baião”, Luiz Gonzaga. Pois se poucos artistas conseguiram mergulhar na alma nordestina como Gonzagão, era Humberto Teixeira que estava por trás de inúmeras composições, como Assum Preto, Paraíba, Juazeiro e, principalmente, Asa Branca.

Qualquer criança conhece Asa Branca, mas ninguém sabe quem foi Humberto Teixeira. Cantadas ao som do resfolego da sanfona do velho Lua e ouvidas pelo Brasil inteiro, a marca de uma gente que canta, apesar das dores constantes. Ali estava a assinatura deste cearense de Iguatu, que para muitos acabou esquecido nos créditos miúdos dos discos de seus intérpretes. Apesar disso, não é preciso puxar muito da memória para lembrar algumas de suas composições.

Asa Branca interpretada pelo Cordão do Boitatá:

Luiz Gonzaga inclusive manifestou-se magoado com relação a esse descaso. Humberto referia-se a esses pesquisadores como principiantes, aprendizes de historiadores da música popular brasileira, todos muito falhos, com algumas exceções.

O forró, diferentemente dos diversos gêneros musicais brasileiros, tem data, hora e local de nascimento, assim como o nome dos pais. O parto começou em uma tarde de agosto, de 1945, na Avenida Calógeras, no escritório do advogado Humberto Teixeira, no centro do Rio de Janeiro. Os trabalhos de parto só findaram na alta madrugada, quando vieram ao mundo os gêmeos Asa Branca e Baião.

O Homem que Engarrafava Nuvens

O filme “O Homem que Engarrafava Nuvens” foi lançado no Brasil durante o Festival de Cinema do Rio. Na sexta-feira, 03 de outubro, o Cine Palácio estava com a sala repleta de admiradores da obra de Humberto Teixeira, centenas de amigos, atores e músicos. O documentário idealizado pela filha de Humberto, Denise Dumont, sob a direção de Lírio Ferreira.

A obraO documentário é um marco na história da música e do cine-documentário brasileiro. Com roteiro e fotografia impecável, de forma leve e cativante, o filme caminha pela história do compositor, mostrando o importante papel do baião na cultura nacional, com depoimentos de familiares, amigos e importantes artistas, como Gilberto Gil, Sivuca, Caetano Veloso, Otto, Belchior, Fagner, Calé Alencar, dentre outros. O pesquisador Nirez (Miguel Ângelo de Azevedo – profundo conhecedor da música brasileira e da obra de Humberto) também não poderia ficar de fora.

O documentário navega do rural ao urbano, indo fundo na cultura nordestina e mostrando como Humberto e Gonzagão conseguiram disseminar o vírus do forró nas veias do urbano brasileiro. Como Otto define bem no documentário, os dois foram simplesmente a pólvora e o canhão, respectivamente.

Vídeo gravado pela família do Doutor do Baião em sua homenagem durante o isolamento social imposto pela pandemia de covid-19 – setembro de 2020 – ASA BRANCA:

Pesquisa realizada por:

Ricardo José Marandino Teixeira

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