Com potencial de provocar prejuízos econômicos consideráveis, a doença foi constatada em plantios de terras indígenas de Oiapoque, AP
A mandioca é a base da alimentação dos indígenas e para os povos Karipuna, Palikur-Arukwayene, Galibi Marworno e Galibi Kali’na, habitantes da região de Oiapoque, o ponto mais ao norte do Brasil, no estado do Amapá, não é diferente. Eles utilizam a planta para produzir a farinha, que representa a fonte mais importante de alimentação e renda para essas famílias. O tubérculo também vira o caxiri, bebida fermentada imprescindível à festa tradicional do Turé, realizada todos os anos em agradecimento aos espíritos pelo alimento e cura de doenças.
Da mandioca, os indígenas tiram vários derivados: farinha, goma, tucupi. Tudo isso é muito vendável no Oiapoque. Até mesmo na Guiana Francesa, país que faz fronteira com o município, onde vendem a farinha. As roças de mandioca em parte das 66 aldeias ocupadas pelos cerca de 10 mil indígenas dos quatro povos nas terras indígenas Uaçá, Juminã e Galibi estão ameaçadas.
A partir de análises biológicas e moleculares, a Embrapa Amapá e a Embrapa Mandioca e Fruticultura confirmaram ao Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) o primeiro relato da presença, no Brasil, do fungo Ceratobasidium theobromae, também conhecido como Rhizoctonia theobromae, causador da doença “vassoura-de-bruxa” da mandioca. O patógeno foi confirmado por laudo do Mapa, por meio de análise de identificação da espécie realizada por equipe do órgão.
Esta é a primeira vez que a doença surge no país e foi constatada em plantios de mandioca das terras indígenas de Oiapoque, município do estado do Amapá, localizado na fronteira do Brasil com a Guiana Francesa. Após, os técnicos da Embrapa Amapá identificaram também em Calçoene e Amapá, municípios ao sul do foco de origem. A presença de Ceratobasidium theobromae representa risco de significativa redução na produtividade das plantas de mandioca afetadas. Até o momento, este fungo não foi detectado em outros hospedeiros no Brasil.
A “vassoura-de-bruxa” tem este nome porque deixa os ramos das plantas secos e deformados incluindo nanismo e proliferação de brotos fracos e finos nos caules, parecidos com uma vassoura velha. Com a evolução da doença é comum a ocorrência de clorose, murcha e seca das folhas, morte apical e morte descendente das plantas.
A dispersão do fungo pode ocorrer por meio de material vegetal infectado, ferramentas de corte, além de possível movimentação de solo e água, por isso a movimentação de plantas e produtos agrícolas entre regiões pode facilitar a dispersão do patógeno, aumentando o risco de infecção em novas áreas. Pesquisadores do Centro Francês de Pesquisa Agrícola para o Desenvolvimento Internacional (Cirad/França), em parceria com o Centro Internacional de Agricultura Tropical (Ciat/Colômbia), coletaram e isolaram Ceratobasidium theobromae em áreas afetadas com sinais similares na Guiana Francesa, próximas à fronteira com o Brasil e o Suriname.
A Embrapa destaca que a detecção de Ceratobasidium theobromae no Brasil requer cooperação imediata entre agentes de assistência técnica, órgãos de defesa vegetal estaduais, pesquisadores, agricultores e autoridades governamentais, como uma prática fundamental para implementar medidas efetivas de contenção, manejo e controle, a fim de garantir a segurança e sustentabilidade da produção agrícola. A descoberta pode contribuir com o avanço científico das pesquisas relacionadas para o melhoramento genético da mandioca e recomendação de medidas para o controle da doença.
Histórico de coleta do material infectado
Em março de 2023, uma equipe da Embrapa Amapá participou da 29ª Assembleia de Avaliação e Planejamento dos Povos e Organizações Indígenas do Município de Oiapoque (Apio), evento realizado pelo Conselho dos Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque (CCPIO). A instituição de pesquisa foi demandada para avaliar e realizar ações, dentro das suas atribuições, visando amenizar a ocorrência de doenças que atingem os plantios de mandioca. Na semana seguinte, uma equipe constatou in loco os sinais compatíveis com a doença “vassoura de bruxa” da mandioca nas aldeias indígenas Ahumãm, Anawerá, Tuluhi e Tukay.
Posteriormente, os mesmos sinais foram detectados nas aldeias Kuahí, Ywawká, Karibuen, Kuai Kuai, Ariramba, Galibi, Lençol, Manga, Zacarias e Japiim. De acordo com a Nota Técnica da Embrapa Amapá, por ocasião da detecção dos primeiros sinais da doença, hastes de mandioca infectadas foram transportadas para o laboratório de Proteção de Plantas da Embrapa Amapá, visando o isolamento do provável agente etiológico da doença em condições de laboratório.
Recomendações para reduzir o impacto da doença – Estratégias de manejo
1- Monitoramento intensificado e vigilância de áreas cultivadas para identificação precoce dos sintomas.
- Estabelecer protocolo de detecção precoce do patógeno via PCR e/ou via sequenciamento por HTS em suporte às ações de
monitoramento e vigilância. - Acreditação de laboratórios para diagnosticar e indexar importantes patógenos de mandioca.
2- Quarentena: Implementação de medidas de quarentena para restringir a circulação de material vegetal das áreas afetadas.
3- Cortes saudáveis: Uso de estacas de mandioca comprovadamente saudáveis, que foram produzidas em regiões sem a doença ou em condições que não permitem que o patógeno cresça (por exemplo, câmaras térmicas, viveiros e estufas)
4- Tratamento químico: Utilização de fungicidas específicos para controlar a propagação do patógeno, em conformidade com as normas locais.
5- Práticas culturais: Remoção e eliminação por queima de plantas doentes para reduzir a inoculação em áreas afetadas e diminuir a incidência de novas plantas infectadas.
6- Assepsias/sanitização de ferramentas usadas para destruir plantas que apresentam sinais da doença. Lavagem com água e detergente e em seguida a sanitização com solução de hipoclorito de sódio de 1,25%.
7- Realizar o ensacamento e rápida lavagem de roupas, calçados e chapéus e ou bonés utilizados nas visitas em áreas afetadas pela doença, de forma a evitar a disseminação de esporos para outras regiões do país.
8- Elaborar publicações, vídeos e cartazes para aumentar a conscientização sobre os sinais da doença e os meios de transmissão.
Este é o primeiro relato da presença de Ceratobasidium theobromae no Brasil, representando um risco iminente à cultura da mandioca, uma vez que foi recentemente descrito causando a vassoura de bruxa da mandioca em países da Ásia (Leiva et al., 2023) e também está associado à doença Vascular Streak Dieback (VSD) em cacau (Theobromae cacao), também na Ásia. A presença deste patógeno representa um risco não somente à mandiocultura, mas também a outras culturas de grande importância econômica para o país, como o cacau e outras plantas da mesma família, caso do cupuaçu (Theobroma grandiflorum).
A dispersão de Ceratobasidium theobromae pode ocorrer através de material vegetal infectado, ferramentas de corte, além de possivelmente pela movimentação de solo e água. A movimentação de plantas e produtos agrícolas entre regiões pode facilitar a dispersão do patógeno, aumentando o risco de infecção em novas áreas. A detecção de Ceratobasidium theobromae no Brasil requer atenção imediata para evitar a disseminação da doença e proteger as culturas agrícolas vulneráveis. A cooperação entre agentes de ATER, órgãos de defesa vegetal estaduais, pesquisadores, agricultores e autoridades governamentais é crucial para implementar medidas efetivas de contenção, manejo e controle, garantindo a segurança e sustentabilidade da produção agrícola no país.