A frutinha se adapta ao cerrado e com capacitação e visão de futuro, agricultores familiares transformam cultivo em negócio inovador
Sucesso é total de algumas variedades da fruta. O mirtilo (Vaccinium myrtillus), conhecida como blueberry, é um arbusto de pequeno porte que pertence à família Ericaceae, nativo da Eurásia, vem animando produtores e conta com incentivos públicos. Levemente doce, suculento, saudável e famoso no hemisfério norte, a fruta vermelha, embora de tom azulado, aos poucos vai conquistando o gosto dos brasileiros. Com um clima bem diferente do encontrado no ambiente de origem, o cerrado tem se provado um local favorável ao cultivo da fruta. Nos últimos anos, especialmente após 2022, o número de produtores disparou no Distrito Federal e também em outros estados próximos, fincando raízes para viabilizar um polo forte de abastecimento da fruta ao mercado nacional e até externo.
Mesmo ainda incipiente, o mercado de mirtilo vem se desenvolvendo destacadamente, tendo as primeiras experiências mais relevantes no Brasil nas regiões sul e sudeste. A produção no cerrado tem ganhado espaço graças à ousadia de famílias agricultoras que investem em inovação, diversificação e qualificação. Pequenos produtores vêm enxergando a oportunidade e procurando capacitação técnica e empreendedora para enfrentar o desafio junto as instituições de extensão rural estaduais e Sebrae, unindo agricultura familiar e turismo rural. O negócio vem envolvendo famílias inteiras.
estão envolvidas em toda a cadeira produtiva do mirtilo no cerrado
adapta bem ao clima do cerrado e abre possibilidades dentro do turismo rural
Foto: Lúcio Bernardo Jr./Agência Brasília
Os cursos auxiliam a estruturação da gestão da propriedade com base em práticas modernas de mercado, facilitando a identificação do cliente final, a comunicação, a forma de venda e como essa venda se processa, proporcionando clareza para decisões estratégicas e segurança para seguir investindo, diminuindo as possibilidades de erros. O cardápio de produtos derivados da fruta é diversificado e se apresenta como uma promissora fonte de prosperidade. Muitas mulheres estão envolvidas na cadeia produtiva. A proposta representa uma riqueza que vai além dos ganhos financeiros, mas, principalmente, como inspiração para mulheres protagonistas e como promoção de valores como família, saúde e qualidade de vida.
A fruta tem variedades que se adaptam muito bem ao clima tropical. Duas dessas são a biloxi e emerald. O plantio precisa de conhecimento técnico, sendo importante ter uma estrutura adequada no solo, e a adubação é feita com água (fertirrigação), mas um dos gargalos é a colheita. Apesar de ser uma planta rústica e resistente, o mirtilo é delicado e a colheita precisa ser feita manualmente, com armazenagem em área fria logo depois. As plantas são cultivadas em bolsões com palha de arroz e necessitam de bastante água na raiz e de exposição ao sol pleno. O produtor deve estar atento ao substrato (local onde a muda é plantada), que necessita de nutrientes específicos. A amplitude térmica, temperaturas altas de dia e baixas de noite, são favoráveis à produção. Um detalhe importante é que em decorrência das características do arbusto, ele não se desenvolve em consórcio com outras produções. A colheita dura seis meses e o arbusto tem vida útil de 12 a 15 anos.
Cada pé de mirtilo pode chegar a produzir 4,0 kg ao ano. E o retorno financeiro vale a pena. O pacote com 150 g sai da propriedade a R$ 12,50. Segundo os técnicos, um hectare de mirtilo equivale ao rendimento de 65 hectares de soja. Por enquanto, os produtores focam a venda direta do produto in natura, mas já começaram a produzir geleias, sucos e doces, além de firmarem parcerias com outros produtores que preparam de cucas a licor de mirtilo. A fruta pode ser comercializada de forma congelada, vinhos, cosméticos, mudas e até chope artesanal, agregando valor à cadeia produtiva e fomentando o turismo rural em regiões produtoras. Até o momento, a maior parte da produção ainda é consumida na região, mas a expectativa é criar condições para iniciar uma investida na exportação brasileira de frutas. Atualmente, estima-se que o país tenha entre 250 e 500 hectares plantados com mirtilo, com uma produção anual que pode chegar a 750 toneladas.
O cerrado possui características excelentes para aumentar a produtividade e até a qualidade das frutas. O sol do bioma dá a doçura da fruta e, com a irrigação e produzindo de forma profissional, o produtor tem um produto de alta qualidade, melhor do que os maiores exportadores do mundo, que são o Peru e a Argentina. Segundo o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), cerca de 52% do mirtilo comercializado no maior entreposto de hortifrúti do país, a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp), já é de origem nacional, enquanto o restante ainda depende de importações, principalmente do Chile, Peru e Argentina.
Benefícios do mirtilo
O mirtilo é uma fruta de grande potencial para a saúde, sendo conhecido como “a fruta da longevidade”. Vários estudos mostram que auxilia no combate à depressão, diabetes e problemas cardíacos. Ele melhora os níveis de colesterol e de açúcar no sangue, previne inflamações e protege os olhos. Também é recomendado para quem tem doenças degenerativas, como Parkinson e Alzheimer. As antocianinas são os principais responsáveis pelos benefícios do alimento.
Turismo rural
Os produtores contam com a Rota da Fruticultura, uma iniciativa tocada pela Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) e que faz parte do Programa Nacional de Desenvolvimento Regional, do Ministério da Integração de Desenvolvimento Regional. Políticas públicas que englobem a fruta, como a própria Rota da Fruticultura, contribuem para aumentar a produção e, consequentemente, o mercado. O objetivo é elaborar estratégias para aumentar a produção e o fornecimento de frutas para mercados internos e externos, gerar emprego e renda na região, promover o intercâmbio de experiências e tecnologias, diversificar e implantar novas culturas e fomentar e motivar novos agricultores na produção de frutas no DF e entorno.
A história do mirtilo no cerrado brasileiro mostra como a agricultura familiar pode ir além da produção básica, agregando valor, inovação e conhecimento ao campo, associando turismo rural com a transformação do fruto, um exemplo inspirador de como pequenos produtores empreendedores podem transformar realidades por meio da organização, capacitação e visão de futuro.
