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Indígenas comemoram do lado de fora do Supremo a derrubada da tese do marco temporal

Qualquer lei a favor da tese, que é defendida pela bancada ruralista, estará sujeita a questionamentos judiciais e deverá ser derrubada se chegar ao Supremo

Na 11ª sessão utilizada para discutir o tema, que começou a ser analisado pelo plenário em 2021, os ministros Luiz Fux, Cármen Lucia, Gilmar Mendes e Rosa Weber manifestaram-se nesta quinta-feira (21/9) contra a tese do marco temporal para demarcação de terras indígenas. Com isso, o placar ficou em 9 a 2 para que o Supremo Tribunal Federal (STF) mude o seu entendimento tradicional e passe a avaliar a questão de forma a facilitar a posse de áreas por indígenas. Assim, o STF declarou o marco temporal como inconstitucional.

Edson Fachin (relator), Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Luís Roberto Barroso, Dias Toffoli já tinham se manifestado contra e Nunes Marques e André Mendonça a favor. A tese será definida na sessão da próxima quarta (27/9). O relator apresentou várias teses para análise. Especificamente sobre o marco temporal, sugeriu ele a adoção da seguinte: “a proteção constitucional aos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988, porquanto não há fundamento no estabelecimento de qualquer marco temporal”.

O marco temporal estabelecia que os povos indígenas têm direito apenas às terras que ocupavam ou já disputavam em 5 de outubro de 1988, data em que foi promulgada a Constituição. A proposta foi encampada pelos ruralistas, mas era vista como uma ameaça pelos povos originários, por praticamente inviabilizar a demarcação de novos territórios. O registro de até 287 territórios que estão em processo de demarcação, segundo dados da Funai, também seriam inviabilizados.

Aldeia em terra indígena
Aldeia indígena
Indígenas acompanhando o julgamento no STF
Indígenas acompanhando o julgamento no STF

O julgamento terá repercussão geral, isto é, a decisão valerá para os demais casos semelhantes do país. O caso concreto que originou a ação trata da ampliação da terra indígena Ibirama-La Klãnõ, habitada pelos povos Xokleng, Kaingang e Guarani, no interior de Santa Catarina.

O que pode acontecer

Em tese, cabe recurso desse julgamento. Qualquer lei a favor da tese, que é defendida pela bancada ruralista, estará sujeita a questionamentos judiciais e deverá ser derrubada se chegar ao Supremo.

Porém, o projeto de lei ainda tramita no Senado. Se o Congresso aprovar a lei, ela não será invalidada automaticamente. Segundo juristas, entidades interessadas precisariam entrar com um novo processo no STF pedindo a anulação da legislação. Ainda caso a lei seja aprovada, o presidente Lula (PT) pode vetá-la. Mas o Congresso pode derrubar o veto de Lula e restabelecer a validade do texto.

Para os especialistas, a melhor alternativa dos ruralistas seria aprovar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição), e não uma lei. Em teoria, a decisão do STF perde o efeito se o Congresso incluir o marco temporal na própria Carta Magna.

Indígena com a Constituição Federal na mão

Indígenas temem outros empecilhos às demarcações

O projeto em discussão no Senado não prevê apenas o marco temporal. Ele também pode anular demarcações que não seguiram esse critério, proíbe a ampliação das terras indígenas já demarcadas e prevê indenização a produtores rurais pelas benfeitorias nas fazendas que venham a ser desapropriadas.

Repercussão internacional

A imprensa internacional destacou a derrota “histórica” do marco temporal no STF. O site do jornal Le Monde nesta sexta-feira (22) diz que “o processo do século” é vital para a manutenção dos territórios indígenas e para o combate às mudanças climáticas. O diário explica que os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) declararam inconstitucional a tese do marco temporal, que reconhecia a demarcação apenas das terras ocupadas por indígenas à época da Constituição de 1988. Segundo a reportagem, o marco temporal era um lobby do agronegócio.

Manchete do jornal francês Le Monde
Manchete do jornal francês Le Monde

Le Monde esclarece que o processo julgado pelo STF é relativo ao caso do território Ibirama-Laklãnõ, no estado de Santa Catarina, que perdeu o status de reserva indígena em 2009, após um julgamento em instância inferior. Nesse primeiro processo, os juízes haviam justificado a decisão explicando que as terras dos Laklãnõ não estavam ocupadas pelos indígenas em 1988, data da promulgação da atual Constituição brasileira. A decisão do STF vai fazer jurisprudência, escreve o diário francês.

A demarcação garante aos povos tradicionais o direito inalienável de ocupar terras ancestrais, assim como o uso exclusivo de recursos naturais, a fim de preservar o modo de vida tradicional, explica o jornal francês, lembrando que das mais de 700 reservas já delimitadas no Brasil, quase um terço ainda não foram oficialmente homologadas.

“Esta é uma vitória histórica para os povos indígenas do Brasil e uma grande derrota para o lobby do agronegócio”, disse Fiona Watson, responsável na organização Survival International, citada pelo jornal português O Público.

Manchete do jornal português O Público
Manchete do jornal português O Público
Manchete do jornal espanhol El País
Manchete do jornal espanhol El País

“De novo neste Brasil polarizado, a corte máxima ficou dividida em grupos ideológicos”, testemunha o correspondente do jornal espanhol El País. “Os dois juízes (Kassio Nunes Marques e André Mendonça) que votaram a favor da tese do agronegócio são os dois nomeados pelo presidente anterior, Jair Bolsonaro, de extrema direita, que se recusou a demarcar mesmo um centímetro de novas terras para os nativos ou para a biodiversidade.”

“Povo dizimado e oprimido” – O diário britânico The Guardian citou a ministra Carmen Lúcia, que disse, ao votar contra o marco temporal: “Estamos cuidando da dignidade étnica de um povo que foi dizimado e oprimido durante cinco séculos de história”.

Manchete do jornal inglês The Guardian
Manchete do jornal inglês The Guardian
Manchete da rede catariana Al Jazeera
Manchete da rede catariana Al Jazeera

O site da rede Al-Jazeera explica que o Brasil abriga 1,6 milhões de indígenas, de acordo com o último censo, e que muitos foram e continuam sendo violentamente expulsos de seus territórios por interesses econômicos.

Ruralistas não aceitam

A bancada ruralista na Câmara Federal reagiu com críticas ao julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF). Em nota, a Frente Parlamentar da Agropecuária acusou a Suprema Corte de alterar sua própria jurisprudência e “decidir legislar” sobre a regulamentação de dispositivo constitucional sobre demarcações de terras indígenas no Brasil. Os rusralistas instaram o Congresso Nacional a uma reação contra o STF. “Há muito se alerta para a violação à harmonia entre as funções do Poder. A decisão tomada demonstra que não é mais possível aceitar a expansão das atribuições do Judiciário, pois sequer respeita o texto constitucional e as balizas por ele próprio definidas em casos emblemáticos e paradigmáticos”, diz a nota.

Deputado Federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA)
Deputado Federal Pedro Lupion (PP-PR), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA)

Antes do resultado conhecido, as decisões da Justiça poderiam fixar que os indígenas somente teriam direito às terras que estavam em sua posse no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal, ou que estavam em disputa judicial na época.

Na quarta-feira (27), próxima sessão de julgamento, os ministros vão definir outras questões acerca desse tema. Entre os pontos que serão debatidos está a possibilidade de indenização a particulares que adquiriram terras de “boa-fé”. Pelo entendimento, a indenização por benfeitorias e pela terra nua valeria para proprietários que receberam do governo títulos de terras que deveriam ser consideradas como áreas indígenas.

Para o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), líder da maior bancada no Congresso Nacional, o Deputado Federal Pedro Lupion (PP-PR), prometeu dificultar as próximas votações de interesse do governo no Congresso em reação ao resultado do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF). Segundo o líder, a bancada ruralista vai “mostrar a força” que possui no Legislativo. O intuito do grupo é fazer obstrução até conseguir avançar com propostas para reverter a decisão judicial.

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