Espécie considerada extinta na natureza foi repatriada da Europa, estava em criadouro na Bahia e testou positivo para circovírus, doença fatal para psitacídeos
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) informou que as 11 ararinhas-azuis (Cyanopsitta spixii) recapturadas no início de novembro testaram positivo para circovírus, agente causador da doença do bico e das penas ou PBFD (do inglês Psittacine Beak and Feathers Disease). A espécie é considerada uma das mais raras do mundo e está extinta na natureza desde 2020. A enfermidade, de origem australiana, afeta psitacídeos como araras, papagaios e periquitos, não tem cura e é fatal na maior parte dos casos. O vírus não oferece risco a humanos nem a aves de produção.
Esta infeção viral é conhecida desde a década de 80 do século 20, quando foi identificada em cacatuas na Austrália. Entretanto, veterinários identificaram esta doença com alguma frequência em outros psitacídeos, como araras, papagaios cinzentos e periquitos em todo o mundo. O agente causador da doença é o circovírus que se transmite entre as aves através da inalação ou ingestão de partículas virais. Estas partículas encontram-se no pó das penas, fezes e secreções do papo. Uma vez no organismo, o circovírus migra através do sangue para os folículos das penas, para a pele e para a membrana do esófago e papo, provocando a morte dos tecidos onde se instala e assim surgem os sintomas.

do bico e das penas que altera o aspecto dos psitacídeos
As ararinhas haviam sido repatriadas da europa, integraram o Criadouro para Fins Conservacionistas do Programa de Reintrodução da Ararinha-Azul em Curaçá (BA) e foram soltas em 2022. Investigações seguem em andamento para identificar a origem da infecção, associadas ao isolamento dos animais positivos e negativos, garantindo a adoção reforçada de protocolos de biossegurança. Após a detecção inicial do vírus, em maio, o ICMBio instaurou o Sistema de Comando de Incidente para gerir a emergência e evitar a disseminação da doença entre ararinhas e outros psitacídeos da região.
Vistorias do ICMBio, em parceria com o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) e a Polícia Federal, constataram descumprimento de medidas básicas de biossegurança no criadouro, como limpeza inadequada das instalações e uso irregular de equipamentos de proteção por funcionários. Não houve o cuidado sanitário necessário no viveiro para isolar os animais doentes e evitar que os demais fossem contaminados, o que comprometeu a saúde das aves. Os viveiros e comedouros estavam sujos e constatou-se a falta de equipamentos de proteção individual por parte dos funcionários que manipulavam as aves. O criadouro foi autuado em cerca de R$ 1,8 milhão. O Inema já havia aplicado multa adicional de aproximadamente R$ 300 mil.

Para os agentes do ICMBio, se as medidas de biossegurança tivessem sido atendidas com o rigor necessário e implementadas da forma correta, talvez não tivesse saído de apenas um animal positivo para 11 indivíduos positivos para circovírus. Espera-se que o ambiente não tenha sido comprometido, ameaçando a saúde de outras espécies de psitacídeos.
A reintrodução da ararinha-azul na caatinga depende fortemente do manejo ex situ, já que a população mantida sob cuidados humanos é, até o momento, a única considerada viável. O acordo de cooperação entre ICMBio e a Associação para Conservação de Papagaios Ameaçados (ACTP), que possibilitou a transferência de 93 aves ao Brasil, foi encerrado em 2024 devido a descumprimentos da ACTP, entre eles a venda e transferência, sem consentimento do governo brasileiro, de 26 ararinhas para a Índia.
Mesmo sem o acordo, ações da ACTP podem continuar desde que sigam os instrumentos oficiais de conservação coordenados pelo ICMBio, como o Plano de Ação Nacional para a Conservação da Ararinha-Azul, o Plano de Ação das Aves da Caatinga e o Programa de Manejo Populacional da espécie. O objetivo central permanece o mesmo: reestabelecer uma população saudável e estável em seu habitat natural, nas unidades de conservação de Curaçá (BA), como a APA e o Revis da Ararinha-Azul. Ainda não se sabe exatamente como elas foram infectadas. A doença não é comum na região onde estavam. Agora, os animais seguem sob os cuidados do instituto, mas não podem mais voltar para a natureza.

A resposta do criadouro
Criadouro da ararinha-azul em Curaçá rebate ICMBio e afirma manter 98 aves saudáveis livre do vírus circovírus, contestando autuação e condições sanitárias. A instituição destacou a aplicação de protocolos rigorosos de biossegurança, manejo e bem-estar animal em conformidade com normas internacionais, buscando assegurar a saúde das aves. O criadouro também questionou os dados apresentados pelo ICMBio sobre o número de aves infectadas pelo circovírus. Embora os resultados iniciais tenham apontado 11 ararinhas soltas na natureza contaminadas, a instituição informou que testes adicionais reduziram esse total para cinco, sendo três do plantel cativo e dois dos indivíduos recapturados.
O criadouro também afirma que há divergência nos testes, além de que as aves contraíram o vírus fora do local (em vida livre na natureza). A empresa afirma que exames mais recentes identificaram vírus em apenas 5 aves no total (três do plantel e duas recapturadas) e que metodologias laboratoriais diferentes geraram resultados contraditórios. As aves recapturadas estão isoladas e sem contato com o restante do plantel.
A PBFD
A doença do bico e das penas ou PBFD (do inglês Psittacine Beak and Feathers Disease) é causada por um vírus chamado circovírus e tem um período de incubação relativamente curto. Ou seja, desde o momento em que a ave fica infetada e o surgimento dos primeiros sintomas podem passar entre 2 a 4 semanas. Além disso, esta doença pode apresentar diversas formas de acordo com a idade das aves:
1 – Forma precoce
Mesmo as aves recém nascidas podem contrair o circovírus das mães. No entanto, contrariamente a outras formas, os recém nascidos apresentam apenas diarreia. Alterações nas penas, bico ou unhas são raras em aves desta idade.
2 – Forma aguda
A forma aguda da doença afeta principalmente as aves jovens durante a primeira muda. Nesses casos, as aves jovens estão mais fracas e as penas alteram-se. Além disso, os ossos podem dobrar ou mesmo partir-se.
3 – Forma crônica
As aves até aos 3 anos geralmente apanham a forma crónica da doença. Nestes casos, durante a muda, as penas geralmente enrolam-se e ficam com formas estranhas. As cores das penas sofrem igualmente alterações. Por fim, os bicos ficam inflamados, o que causa dores fortes às aves.