Suficiente para abastecer a população mundial por 250 anos, sob a Amazônia, o aquífero expõe disputa pela água e coloca Brasil no centro da segurança hídrica global
Pesquisadores brasileiros confirmaram a existência do Sistema Aquífero Grande Amazônia (SAGA), considerado hoje o maior reservatório subterrâneo de água doce do mundo. Localizado sob a região amazônica, o aquífero tem volume estimado em mais de 150 quatrilhões de litros, suficiente para abastecer toda a população mundial por aproximadamente 250 anos. A descoberta foi apresentada pelo pesquisador Francisco de Assis Matos de Abreu, do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Pará (UFPA), e supera em 3,5 vezes o volume do Aquífero Guarani, antes visto como o maior da América do Sul, reforçando a relevância estratégica da Amazônia no abastecimento hídrico global.
O SAGA se estende por cerca de 1,3 milhão de km², do Equador até o Pará, em profundidades que podem chegar a centenas de metros, sendo 75% desse território localizado no Brasil, do Acre até a Ilha de Marajó (PA). Em termos simples, trata-se de uma gigantesca esponja geológica capaz de armazenar e conduzir água doce sob a floresta. Formado pelas bacias sedimentares dos rios Acre, Solimões, Amazonas e Marajó, o sistema abriga mais de 80% da água do ciclo hidrológico regional, enquanto rios e atmosfera respondem juntos por apenas 16%. As pesquisas tiveram início no Aquífero Alter do Chão, em Santarém (PA), que revelou um depósito de 86 trilhões de m³ de água. Depois, de acordo com estudos apresentados em congressos e projetos coordenados pela UFPA desde 2013, o sistema foi sendo redesenhado a partir de revisões geológicas que mostraram que o antigo Aquífero Alter do Chão era, na verdade, parte de uma estrutura muito maior. A partir daí, veio a confirmação de que esse reservatório de Alter do Chão era parte de uma rede ainda maior, o que deu origem ao conceito de SAGA.
Mais do que uma reserva, o aquífero tem papel ativo no equilíbrio climático. Estima-se que o SAGA transfira cerca de 8 trilhões de m³ de água por ano para outras regiões do Brasil, sustentando atividades agrícolas, enchendo reservatórios de hidrelétricas e regulando o ciclo da água. A existência do Sistema Aquífero Grande Amazônia (SAGA) redefiniu o entendimento sobre a disponibilidade de água doce no Brasil. Em tempos de escassez crescente de água potável, o aquífero amazônico pode se tornar um dos ativos mais valiosos do planeta, desde que preservado. A floresta que já é chamada de “pulmão do mundo” revela agora também ser o coração de um oceano subterrâneo capaz de sustentar a vida humana por séculos.

pela água e coloca Brasil no centro da segurança hídrica mundial
Por suas dimensões, o reservatório tem potencial para atender residências, atividades comerciais e o agronegócio, garantindo condições climáticas essenciais para diversos setores econômicos e representando uma das reservas naturais mais valiosas já registradas. A confirmação da dimensão do sistema recoloca o Brasil no centro do mapa hídrico mundial. Um verdadeiro oceano subterrâneo de água doce.
Sistema Aquífero Grande Amazônia, maior
reservatório subterrâneo de água doce já
mapeado, supera o Aquífero Guarani e
reacende debate sobre clima,
agronegócio e exploração sustentável
A existência do hiper reservatório de água doce levanta questões sobre gestão da água, preservação da Amazônia e possíveis pressões econômicas e geopolíticas sobre uma das maiores riquezas naturais do planeta. Localizado em camadas profundas de sedimentos, o sistema de aquíferos vinha sendo estudado há pelo menos uma década, mas só recentemente teve seus números consolidados e amplamente divulgados ao público.
A existência de um oceano subterrâneo sob a Amazônia está ligada a um ciclo de água muito mais amplo, que inclui rios, solo, atmosfera e vegetação. Estudos de climatologia mostram que a floresta amazônica funciona como uma espécie de bomba d’água, capaz de enviar para a atmosfera cerca de 20 trilhões de litros de água por dia por evapotranspiração. Esse vapor forma os chamados rios voadores, grandes fluxos de umidade que viajam por milhares de quilômetros e ajudam a levar chuva para as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do Brasil. A vazão desses rios aéreos pode ser comparável à do próprio Rio Amazonas.


território brasileiro – Imagem: Daiana Thalisy da Silva Mitouso
Na prática, isso significa que a água que circula nos aquíferos da Amazônia, nas raízes e nas copas das árvores, influencia diretamente a produção de alimentos em estados como Mato Grosso, São Paulo e Rio Grande do Sul. Sem a floresta em pé, o ciclo de recarga de aquíferos e a formação desses rios de vapor são comprometidos, o que aumenta o risco de crises hídricas como as já vividas em grandes regiões metropolitanas. A destruição da vegetação amazônica pode literalmente “quebrar” essa bomba d’água natural. Menos árvores significam menos água sendo bombeada do solo para o ar, menos chuva sobre o interior do continente e mais vulnerabilidade para cidades, indústrias e para o próprio agronegócio brasileiro.
Por isso, a descoberta de que o maior aquífero do mundo está sob a Amazônia reforça a ideia de que preservar a floresta não é apenas uma pauta ambiental. É também uma política de infraestrutura hídrica e de garantia de futuro para a economia que depende de chuva, energia e abastecimento urbano.
Apesar do potencial gigantesco do SAGA, pesquisadores lembram que se trata de uma reserva ainda pouco estudada em termos de qualidade da água, dinâmica de recarga e possíveis impactos de uma exploração intensiva. Textos técnicos e reportagens científicas reforçam que drenar esse estoque sem planejamento poderia gerar rebaixamento de níveis, contaminação e conflitos entre diferentes usos. Sua utilização exige planejamento.

O exemplo do Aquífero Guarani é frequentemente citado como alerta. Em várias regiões, o uso desordenado, a contaminação por falta de saneamento e a perfuração de poços sem controle geraram riscos de contaminação e debates sobre privatização ou concessão do uso da água. Especialistas em direito ambiental e recursos hídricos defendem que o SAGA precisa ser protegido por regras claras, monitoramento público e transparência, evitando que interesses econômicos imediatistas decidam sozinho o destino dessa riqueza.
O SAGA pode armazenar mais de 150 quatrilhões
de litros de água, volume suficiente para abastecer
toda a população mundial por cerca de 250 anos,
em um cenário teórico de uso controlado
Ao mesmo tempo, a confirmação da dimensão do SAGA reacende discussões sobre soberania e geopolítica da água. Num cenário de mudança climática, secas mais frequentes e crescimento populacional, grandes reservas hídricas passam a ser vistas como ativos estratégicos, capazes de atrair tanto investimentos quanto pressões externas. Pesquisadores sugerem que o tema seja incorporado à diplomacia brasileira e às negociações sobre clima e biodiversidade.
Nesse contexto, o desafio é conciliar três agendas que nem sempre caminham juntas: a preservação da floresta, a segurança hídrica de longo prazo e o desenvolvimento econômico da região amazônica. Qualquer proposta de uso do SAGA que ignore uma dessas dimensões tende a gerar desequilíbrios difíceis de reverter, especialmente em sistemas geológicos que levaram milhões de anos para se formar.
Para o Brasil, não basta ter o maior reservatório de água doce do mundo abaixo dos pés se a superfície está sendo desmatada, incendiada e ocupada sem planejamento. O futuro do SAGA e da água que chega às torneiras nas cidades depende, em grande parte, das decisões tomadas hoje sobre a Amazônia.
O Aquífero SAGA é o maior sistema de água doce
do mundo, descoberto no Brasil com 162.520 km³
de volume – quatro vezes maior que o Aquífero
Guarani. Localizado sob a Amazônia, oferece
segurança hídrica futura mas exige gestão
sustentável para evitar contaminação e garantir
abastecimento para as próximas gerações

da floresta, a segurança hídrica de longo prazo e o
desenvolvimento econômico da região amazônica,
tende a gerar desequilíbrios difíceis de reverter
O contrassenso
De acordo com recente estudo realizado pelo Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá, em parceria com a USP e outras universidades, ribeirinhos do maior aquífero do mundo carecem de água potável para beber. Esse paradoxo socioambiental é uma realidade em diversas comunidades ribeirinhas em cima do Sistema Aquífero Grande Amazônia (Saga). A pesquisa avaliou a potabilidade da água após tratamentos caseiros em três comunidades de duas Reservas de Desenvolvimento Sustentável (RDS) no médio Solimões no Estado do Amazonas, RDS Amanã e RDS Mamirauá. O Saga tem sido comparado a um oceano subterrâneo devido ao seu volume total de 162 mil quilômetros cúbicos. Para efeito de comparação, ele é quatro vezes maior que o Aquífero Guarani. Localizado abaixo da maior floresta tropical do mundo, o sistema, que também não possui potabilidade na cidade de Tefé, a mais próxima das reservas, não é utilizado pela comunidade devido à complexidade da estrutura necessária e maior acessibilidade de águas da chuva e dos rios.
Mais de 15 mil pessoas e 300 comunidades e sítios ficam nessas reservas, mas foram selecionadas as três localidades já mencionadas. Nelas, foram analisadas as águas tratadas coletadas das chuvas e dos rios, e, em ambas, a contaminação por coliformes fecais (Escherichia coli) foi significativa, o que leva a um risco de incidência de diarreia nas comunidades. A adoção de meios de tratamento de água sofre diversos desafios relacionados a logística, acesso a materiais, requisitos técnicos, adesão correta aos procedimentos, renda e energia.