Transição da pecuária para agroflorestas pode dobrar renda rural

Um estudo coordenado pela ONG ProVeg Brasil, e realizado pela Organização Cooperativa de Agroecologia (OCA), revela que substituir a criação de animais por agroflorestas vegetais (Sistemas Agroflorestais – SAFs) pode elevar a renda líquida do produtor em 110% por hectare, além de tornar a área negativa em emissões de carbono, capturando mais gases de efeito estufa do que emite. Em cenários excepcionais, como na conversão de pastos bovinos de baixa produtividade em SAFs biodiversos voltados a mercados especiais, o ganho pode chegar a 1525%.

Em todos os biomas brasileiros, as SAFs se mostraram potencialmente mais promissoras do que qualquer um dos tipos de pecuárias analisados (gado para corte, gado leiteiro, aves e suínos), quando se avalia o potencial de aumento de renda para o produtor. Apoiando a agricultura familiar, a transição para SAFs também fomenta o emprego e a diversificação da geração de renda, podendo diminuir a migração rural. A pesquisa revelou que, para cada R$ 1 milhão de produção anual em SAFs vegetais, são gerados 30 empregos na cadeia, ao passo que na pecuária, em média, o mesmo investimento acarreta em apenas 7.

Com esses resultados, os pesquisadores afirmam que o Brasil não precisa escolher entre uma economia forte e a proteção climática, pois os SAFs vegetais são a chave para uma matriz de produção alimentar mais resiliente e justa, capaz de gerar mais valor na mesma área de terra usada hoje pela pecuária, além de regenerar áreas degradadas. Essa solução passa pelo incentivo da agricultura familiar, da agroecologia, e da produção e consumo prioritários de alimentos vegetais.

Intitulado “Aumentando Renda, Respeitando o Planeta, Nutrindo Pessoas”, o relatório foi apresentado na Agrizone, na COP30 em Belém, que reuniu representantes do governo federal, organizações de agricultores e especialistas em agroecologia.

A pecuária preocupa em meio à discussão sobre crise climática

A produção pecuária é a maior emissora de gases de efeito estufa do Brasil, bem à frente do transporte e energia, estando associada a cerca de 60% do total de emissões do país, segundo cálculos realizados com base em dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG). Em partes, isso se dá pela fermentação entérica de ruminantes, que emite metano, um gás que tem mais de 80 vezes o poder de aquecimento do dióxido de carbono (CO₂), um volume superior à emissão total da Itália.

A pecuária e as emissões

Além disso, de acordo com o Mapbiomas, mais de 90% do desmatamento da Amazônia foi causado pela abertura de pastos entre 1985 e 2023. O constante aumento na produção animal no país — apenas em 2024 houve uma discreta queda — está diretamente ligado à expansão territorial e ao desmatamento, seja pela necessidade de novas áreas de pastagem para o rebanho bovino, ou para áreas de monocultura de grãos usados principalmente para alimentação animal. Estima-se que cerca de 75% da soja global sejam utilizados para ração animal. A pesquisa mostra que os SAFs oferecem uma alternativa concreta: exigem 12 vezes menos terra que a pecuária para gerar a mesma receita bruta, reduzindo a necessidade de expansão e contribuindo para a restauração ambiental.

O modelo alimentar atual agrava crise climática e sanitária

Apesar de ocupar o dobro da área agrícola, a pecuária entrega apenas 37% das calorias consumidas pelos brasileiros em alimentos in natura e minimamente processados. A agricultura, por sua vez, fornece 63%. O descompasso entre uso do solo e retorno nutricional reforça uma fragilidade do sistema alimentar atual. Dietas baseadas majoritariamente em vegetais — como recomenda a Dieta da Saúde Planetária (EAT-Lancet) — têm potencial para reduzir mortes, emissões e pressão sobre ecossistemas. O relatório aponta que cinco dos seis limites planetários já ultrapassados têm os sistemas alimentares como principal força de degradação, enquanto o acesso a dietas saudáveis permanece insuficiente.

Recomenda-se que a base da alimentação seja composta por vegetais como leguminosas, cereais, vegetais, frutas, castanhas e sementes, e consumo moderado ou reduzido de alimentos de origem animal. A transição global para dietas predominantemente à base de vegetais poderia evitar até 15 milhões de mortes anuais e reduzir significativamente as emissões agrícolas e a pressão sobre os ecossistemas.

Comparativo de potencial de aumento de randa por atividade e bioma

A transição depende de políticas públicas e financeiras

Para avançar, os pesquisadores defendem que o Brasil transforme os SAFs vegetais em prioridade estratégica nas agendas social, agrária, alimentar e climática. A escala depende da ampliação de crédito rural — especialmente via Pronaf — e do fortalecimento da Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER).

Do lado financeiro, a transição representa uma oportunidade para redirecionar recursos hoje associados a modelos com alto risco climático. O setor financeiro precisa restringir o crédito para pecuária em áreas de desmatamento, tornando os SAFs uma via natural para investimentos compatíveis com a metas climáticas. Atualmente a expansão é dificultada pela falta de capacitação das instituições financeiras para avaliar projetos agroecológicos.

Projeto piloto demonstra os benefícios

Em Ortigueira, PR, um produtor familiar iniciou a conversão da pecuária leiteira e de corte para um sistema agroflorestal vegetal, com suporte técnico para implantar uma produção diversificada — feijão, milho, banana, mamão, melancia, abóbora e, futuramente, café e erva-mate — destinada a abastecer cantinas escolares. O projeto também contempla o plantio de árvores nativas da Mata Atlântica, integrando restauração florestal ao modelo produtivo.

Segundo o diagnóstico inicial, a pecuária gerava baixa rentabilidade e reduzia a autonomia do produtor. A expectativa é que a renda vegetal supere em mais de 10 vezes a obtida com animais já no primeiro ano de transição. O projeto vai demonstrar, na prática, que a mudança é tecnicamente viável e economicamente vantajosa, contribuindo para inspirar políticas públicas de maior escala.

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