O renascimento do maior primata das Américas

O som suave dos galhos balançando e o eco das vozes dos muriquis, os maiores primatas das Américas, havia desaparecido de boa parte do território onde antes reinavam.

Mas recentemente tivemos boas notícias: novos registros feitos em 2025 confirmam a presença de muriquis-do-sul (Brachyteles arachnoides) no Parque Estadual do Cunhambebe, na Costa Verde do Rio de Janeiro, uma área onde a espécie não era observada havia décadas.

O avistamento, realizado por pesquisadores e guarda-parques, reacende a esperança de que a população da espécie esteja lentamente se recuperando e expandindo seus territórios em regiões onde já foi considerada extinta localmente.

O maciço do Parque do Cunhambebe na Costa Verde Fluminense
O maciço do Parque do Cunhambebe na Costa Verde Fluminense

Um gigante pacífico da Mata Atlântica

Conhecido também como mono-carvoeiro, o muriqui é um primata exclusivamente brasileiro, endêmico da Mata Atlântica. Com hábitos pacíficos e organização social admirável, marcada pela ausência de hierarquia rígida e pela convivência harmoniosa, o muriqui é um verdadeiro símbolo do equilíbrio ecológico.

Sua presença indica florestas saudáveis e bem preservadas, já que depende diretamente da cobertura vegetal contínua para sobreviver.

Estima-se que, antes da colonização, mais de 400 mil muriquis percorriam as matas do litoral e do interior do Brasil. Hoje, esse número foi reduzido a pouco mais de mil indivíduos, distribuídos em pequenas populações isoladas. A principal causa da redução é a perda e fragmentação da Mata Atlântica, bioma que já perdeu mais de 85% de sua cobertura original.

Um olhar sobre as últimas décadas

Os estudos populacionais mostram que a trajetória do muriqui é um retrato fiel dos desafios ambientais brasileiros.

Nas décadas de 1970 e 1980, as populações começaram a desaparecer em ritmo acelerado, com a expansão agrícola, madeireira e urbana. Nos anos 2000, as duas espécies conhecidas — muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus) e muriqui-do-sul (Brachyteles arachnoides) — foram classificadas como Criticamente Ameaçadas pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN).

Um dos exemplares encontrado no Parque Estadual do Cunhambebe. O Brachyteles arachnoides é considerado criticamente ameaçado de extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) - Foto: Inea - Instituto Estadual do Ambiente (RJ)
Um dos exemplares encontrado no Parque Estadual do Cunhambebe.
O Brachyteles arachnoides é considerado criticamente ameaçado de
extinção pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN)
Foto: Inea – Instituto Estadual do Ambiente (RJ)

Nos idos de 2000, técnicos da extinta ong Vivaterra, sediada no município de Mangaratiba, já apontavam a possível existência de remanescentes da espécie na mesma área onde esse grupo foi localizado pelo Inea e já desenvolviam o Projeto Muriqui na região. Nessa mesma época, por incentivo da organização, o primata foi instituído como mascote do município por legislação municipal própria.

Atualmente, as principais populações sobreviventes estão em remanescentes florestais de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo e Paraná. Mesmo assim, enfrentam grandes desafios: isolamento genético, perda de habitat e alterações climáticas.

O futuro sob um clima em transformação

Um estudo recente publicado no Journal for Nature Conservation alerta que, até 2090, o muriqui-do-norte pode perder 44% das áreas climaticamente adequadas ao seu modo de vida, enquanto o muriqui-do-sul pode perder até 61%.

Placa informativa do Parque Estadual do Cunhambebe
Placa informativa do Parque Estadual do Cunhambebe
Mapa do parque
Mapa do parque

As projeções indicam que ambas as espécies devem ficar restritas às regiões costeiras da Mata Atlântica, especialmente nas florestas ombrófilas, áreas úmidas e densas onde a umidade ajuda a manter o equilíbrio térmico necessário à espécie.

No interior, o cenário é mais preocupante: florestas semidecíduas, que perdem parte das folhas durante a seca, tendem a se tornar menos propícias à sobrevivência desses primatas.

O Estado de São Paulo, por exemplo, deve perder todas as áreas climaticamente adequadas ao muriqui-do-norte até o fim do século.

Um sinal de esperança na Costa Verde

Em meio a esse quadro desafiador, a notícia do retorno dos muriquis à Costa Verde fluminense traz um sopro de esperança.

O registro no Parque Estadual do Cunhambebe indica que há conectividade entre fragmentos florestais, permitindo o deslocamento dos animais e possivelmente a formação de novos grupos.

Especialistas acreditam que esse movimento pode estar relacionado à recuperação de áreas de Mata Atlântica e à criação de corredores ecológicos entre parques estaduais e reservas particulares.

Esse tipo de avanço reforça a importância de políticas contínuas de restauração e proteção ambiental, além da integração entre comunidades locais, proprietários rurais e unidades de conservação.

Cada árvore mantida, cada nascente protegida, representa uma ponte entre florestas e uma chance maior de sobrevivência para o maior primata das Américas - Foto: Norton Santos
Cada árvore mantida, cada nascente protegida, representa
uma ponte entre florestas e uma chance maior de sobrevivência
para o maior primata das Américas – Foto: Norton Santos

O papel do campo na conservação

As populações rurais e os produtores que convivem com fragmentos florestais em suas propriedades têm papel essencial na preservação dos muriquis e de tantas outras espécies.

A manutenção de reservas legais e áreas de vegetação nativa, aliada ao manejo sustentável, contribui para formar corredores naturais e ampliar o habitat disponível.

Cada árvore mantida, cada nascente protegida, representa uma ponte entre florestas e uma chance maior de sobrevivência para o maior primata das Américas.

Um futuro possível

Os muriquis ainda enfrentam um caminho difícil diante das mudanças climáticas e da pressão sobre o território. Mas os novos avistamentos mostram que a natureza reage quando o ambiente lhe dá espaço.

A volta desses gigantes gentis à Costa Verde é um lembrete de que a recuperação da Mata Atlântica é possível e de que, com planejamento e compromisso, o Brasil pode garantir que o som das florestas continue ecoando por muitas gerações.

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