Brasil é o país que mais usa agrotóxicos no mundo, com percentual maior do que a China e os Estados Unidos juntos
O ritmo de liberação de agrotóxicos no Brasil continua a todo vapor. Em 2024, o país bateu novo recorde em liberação de pesticidas. Segundo informações do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), foram 663 produtos aprovados, um aumento de 19% em relação a 2023, quando foram liberados 555 produtos, ano que se constatou redução no número de liberações. A maioria dos novos produtos aprovados são genéricos de outros agentes já liberados (541). Quinze novas substâncias foram aprovadas, assim como 106 produtos de origem biológica, os chamados “bioinsumos”.
Esses dados refletem a continuidade de um modelo de produção agrícola que ignora os efeitos do uso desses produtos químicos e prioriza a garantia de suas margens de lucro. Os dados de 2024 mostram que esta tendência não se reverteu no governo Lula, pelo contrário, a estrutura de apoio ao agronegócio e às transnacionais agroquímicas segue firme e forte dentro do executivo federal e representa a continuidade de uma política de incentivo ao agronegócio, às exportações de produtos primários e à desindustrialização.
A nova lei dos agrotóxicos, além de encurtar os prazos de análises dos produtos, retirou da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) o poder de veto sobre a liberação dessas substâncias, cabendo a essas instituições apenas a classificação de risco dos produtos. A decisão passou a estar concentrada no Ministério da Agricultura e os dados de 2024 revelam o tamanho das contradições internas do próprio governo que, embora já tenha se posicionado contra o abuso dessas substâncias, encontra forças contrárias a qualquer movimento no sentido de restringir o uso dos agrotóxicos no Brasil.
Pesquisadores alertam que esse modelo de produção agroalimentar tem levado o país à perda de área cultivada de alimentos que não são de interesse do agronegócio, que priorizam commodities para exportação, agravando o quadro de insegurança alimentar no país. Segundo eles, uma das consequências desta escolha é a alta do preço dos alimentos, já que a soja vem tomando lugar das plantações de comida. A população sofre diretamente os efeitos de um sistema que está destruindo as formas de produção. O povo está comendo comida envenenada e o nível de produtividade cai a cada momento, as questões climáticas impactam cada vez mais, revelando um modelo muito pouco adaptável do ponto de vista climático.

Entre as novas substâncias liberadas para uso no Brasil, duas receberam a categoria 2 na classificação toxicológica da Anvisa, como “altamente tóxico”. O Orondis, produto a base de Clorotalonil e Oxatiapiprolim, atua como fungicida e é indicado para pequenas culturas. Já o Miravis é um composto de Clorotalonil e Pidiflumetofem. Também atua como fungicida e é usado em grandes cultivos de soja, milho, algodão, trigo e maçã. Ambos são produzidos pela Syngenta. Segundo informações do fabricante, a inalação dos produtos pode levar a óbito, além de provocar reações alérgicas e lesões oculares em caso de exposição indevida.
A liberação massiva de sustâncias químicas para uso agrícola se reflete na qualidade da alimentação dos brasileiros e tem consequências graves à saúde. Cerca de 26% dos alimentos consumidos pelos brasileiros possuem resíduos de agrotóxicos no momento do consumo e, pelo menos 5 desses produtos possuem restrições e proibições em outros países, incluindo o Carbendazim, que tem uso proibido no Brasil desde 2022.
Apenas em amostras de arroz, foram encontrados 25 tipos diferentes de agrotóxicos. Já no abacaxi, foram identificadas 31 substâncias residuais, entre elas, o glifosato, ingrediente ativo proibido em diversos países da União Europeia, a partir de estudos que o relacionam com a incidência de diversos tipos de cânceres. Outro produto que vem sendo utilizado em larga escala e que também foi encontrado em amostras de alimentos, como a goiaba, é o Clorpirifós, ingrediente ativo utilizado em diversos inseticidas e acaricidas, e é fabricado e distribuído por múltiplas empresas agroquímicas, principalmente na forma de produtos formulados e que está associado a distúrbios neurológicos, malformação de fetos e ocorrências de abortos espontâneos.
Diariamente, pelo menos 36 pessoas sofrem intoxicação por agrotóxicos, e uma morre a cada dez dias, de acordo com dados oficiais do Ministério da Saúde. A preocupação com agrotóxicos nos alimentos é uma questão importante e diversas ações devem ser tomadas em diferentes níveis urgentemente, desde iniciativas governamentais até mudanças nos hábitos dos consumidores.