Descoberta substância inédita com potencial superior ao glifosato para uso em bioinsumos

A partir do isolamento de um fungo endofítico (microrganismo que vive nos tecidos vegetais), encontrado em uma planta medicinal tropical do gênero Piper, pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) e a Embrapa Meio Ambiente (SP), identificaram uma substância inédita com forte potencial herbicida e antifúngico, abrindo novas perspectivas para o desenvolvimento de bioinsumos agrícolas sustentáveis.

Entre as moléculas identificadas, destacou-se o composto “2” (5,10-di-hidroxi-1,7-dimetoxi-3-metil-1H-benzo[g]isocromeno-6,9-diona), que demonstrou efeito comparável ou superior a herbicidas sintéticos amplamente utilizados, como glifosato e clomazona. Trata-se do primeiro registro da atividade biológica dessa substância, ampliando o leque de moléculas naturais que podem ser exploradas para o desenvolvimento de defensivos agrícolas alternativos aos pesticidas sintéticos.

O extrato do fungo foi submetido em um bioensaio em sementes de alface. A foto mostra o extrato bruto do fungo Fusarium (em vermelho), inibindo a germinação de sementes de dicotiledônea (alface) - Foto: Debora Barreto
O extrato do fungo foi submetido em um bioensaio em sementes de
alface. A foto mostra o extrato bruto do fungo Fusarium (em vermelho),
inibindo a germinação de sementes de dicotiledônea (alface)
Foto: Debora Barreto

Os fungos endofíticos vivem dentro das plantas sem causar danos, estabelecendo relações simbióticas benéficas. Enquanto o fungo encontra abrigo e nutrientes, a planta recebe substâncias químicas que aumentam sua resistência a patógenos e pragas. Os microrganismos endofíticos são um reservatório promissor e ainda pouco explorado de metabólitos bioativos, capazes de gerar soluções inovadoras para a agricultura e os bioinsumos podem reduzir impactos ambientais e ajudar a combater a resistência crescente de pragas a produtos químicos convencionais.

Frações do extrato bruto do fungo Fusarium - Foto: Debora Barreto
Frações do extrato bruto do fungo
Fusarium – Foto: Debora Barreto

Entre os microrganismos endófitos isolados, destacou-se um fungo identificado como Fusarium sp. UFMGCB 15449. O gênero Fusarium, pertencente à família Nectriaceae, é um dos mais presentes no planeta, com mais de 70 espécies descritas. Amplamente encontrado no solo, em plantas e em substratos orgânicos, o grupo é conhecido tanto por sua capacidade de causar doenças em culturas agrícolas quanto por produzir substâncias de interesse biotecnológico. Dessa forma, O estudo aprofunda essa linha de investigação, revelando novas possibilidades de uso.

A coleta do fungo ocorreu no Parque Estadual da Floresta do Rio Doce (MG), em julho de 2017, e o material foi preservado na Coleção de Micro-Organismos e Células da UFMG. A identificação envolveu técnicas de biologia molecular e comparação de sequências genéticas com o banco de dados GenBank, banco de dados que permite o acesso da comunidade científica às informações mais atualizadas e abrangentes sobre sequências de DNA, referência mundial em genômica. Apesar de não ter sido possível determinar a espécie exata, devido à complexidade taxonômica do gênero Fusarium, a caracterização genética e morfológica foi suficiente para prosseguir com os testes laboratoriais com os metabólitos produzidos.

O extrato do fungo foi submetido em um bioensaio com sementes de alface (Lactuca sativa) e grama-de-bent (Agrostis stolonifera), plantas-modelo utilizadas em estudos de herbicidas. Três metabólitos foram isolados:

  • Anidrofusarubina (atividade antimicrobiana e antibacteriana);
  • Javanicina (atividade antimicrobiana);
  • Composto “2”, de estrutura inédita e destaque no estudo.

Em concentrações de 1 mg/mL, todos os compostos apresentaram alta atividade fitotóxica, inibindo completamente a germinação de sementes, efeito semelhante ao do herbicida acifluorfeno na mesma dosagem. Ensaios complementares com lentilha-d’água (Lemna), espécie usada para medir toxicidade ambiental, confirmaram que o composto “2” apresentou valores de IC50 (nível de inibição) significativamente inferiores aos do glifosato e da clomazona, demonstrando maior potência herbicida.

Nos testes antifúngicos contra o patógeno agrícola Colletotrichum fragariae, o composto “2” apresentou zonas de inibição superiores às de fungicidas naturais de referência, como carvacrol e timol, resultado que reforça o potencial da substância para o controle biológico de doenças agrícolas, demonstrando ação promissora e abrindo espaço para o aprimoramento químico e biotecnológico de novas formulações.

Fungos endofíticos emergindo do tecido foliar - Foto: Debora Barreto
Fungos endofíticos emergindo do tecido foliar – Foto: Debora Barreto

Desde a década de 1940, os pesticidas sintéticos têm sido amplamente usados para proteger lavouras, mas seus impactos ambientais e riscos à saúde humana impulsionam a busca por soluções mais sustentáveis. Com o crescimento da população mundial e a necessidade de produzir alimentos com menor impacto ambiental, bioinsumos de origem microbiana surgem como alternativas viáveis e seguras. Nesse cenário, o estudo mostra que microrganismos como o Fusarium endofítico podem se tornar aliados estratégicos para uma agricultura mais equilibrada e eficiente.

Os pesquisadores destacam que o trabalho abre caminho para pesquisas mais aplicadas, incluindo a avaliação do desempenho dos compostos em condições de campo e sua integração em formulações comerciais, representando o início de uma nova fronteira científica. As próximas etapas incluem análises de segurança ambiental e toxicológica, além do mapeamento dos alvos moleculares da substância e a possibilidade de modificações estruturais para aprimorar sua eficácia. Também será avaliado o efeito de hormese (fenômeno biológico onde baixas doses de um estressor, como toxinas leves, calor, frio, restrição calórica ou exercício, que seriam prejudiciais em doses altas, na verdade, estimulam o organismo a se adaptar e fortalecer, promovendo resiliência, melhora funcional e proteção contra doenças mais graves) observado nos testes, fenômeno em que doses baixas estimulam o crescimento vegetal, o que pode abrir espaço para usos diferenciados na agricultura. Os pesquisadores concluem que estão diante de um avanço que pode transformar microrganismos invisíveis em ferramentas estratégicas para uma agricultura sustentável e inovadora.

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