Ciência – Clonagem pode ser a chave para salvar a onça-pintada da extinção

Desde 2023, o grupo Reprocon, da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), trabalha no desenvolvimento de técnicas de clonagem de onças-pintadas (Panthera onca), uma iniciativa inédita no país que pretende preservar o patrimônio genético da espécie e reduzir os efeitos da consanguinidade em populações isoladas.

A perda de habitat e o avanço das fronteiras agrícolas fragmentaram as áreas de ocorrência da onça-pintada, confinando indivíduos em pequenos bolsões de floresta. Isso tem levado muitos a acasalarem entre parentes, reduzindo a variabilidade genética e aumentando o risco de extinção local.

Para enfrentar esse cenário, o Reprocon aposta em um conjunto de estratégias de reprodução assistida, como inseminação artificial, fertilização in vitro e clonagem, métodos já usados em bovinos e agora adaptados para espécies silvestres.

O nascimento de uma esperança

O grupo mantém um dos maiores biobancos genéticos de onças-pintadas do mundo, com amostras de sangue, sêmen e tecidos coletadas em expedições pelo Pantanal, Cerrado e Mata Atlântica. Cada fragmento armazenado representa uma chance futura de regenerar a diversidade genética da espécie.

Vista aérea da Fazenda Bodoquena, em Miranda, MS. Com mais de 70 mil hectares, a fazenda concilia criação de gado e conservação de biodiversidade - Foto: Gustavo Fonseca
Vista aérea da Fazenda Bodoquena, em Miranda, MS. Com mais
de 70 mil hectares, a fazenda concilia criação de gado e
conservação de biodiversidade – Foto: Gustavo Fonseca
O pesquisador Gediendson Ribeiro de Araujo escuta o coração de uma onça-pintada macho Leonço, capturada para coleta de material biológico e genético - Foto: Gustavo Fonseca
O pesquisador Gediendson Ribeiro de Araujo escuta o coração
de uma onça-pintada macho Leonço, capturada para coleta
de material biológico e genético – Foto: Gustavo Fonseca

Em 2023, a equipe conseguiu produzir embriões até o estágio de mórula (fase inicial do desenvolvimento) a partir de células retiradas de pele. Agora, o próximo passo é realizar a primeira transferência de embriões clonados para fêmeas receptoras até 2026, o que poderá resultar no primeiro filhote clonado de onça-pintada do planeta.

Do campo ao laboratório

O trabalho começa em expedições de captura cuidadosamente planejadas. Em uma delas, no Pantanal sul-mato-grossense, o grupo coletou amostras de uma onça macho batizada de Leonço. Embora o sêmen estivesse inviável para uso, um pequeno fragmento de tecido da orelha foi suficiente para cultivar milhões de células com potencial para gerar clones.

Essas células, chamadas fibroblastos, podem ser reprogramadas em laboratório e inseridas em óvulos sem núcleo, formando embriões com o DNA do animal original. Depois, o embrião é implantado em uma fêmea receptora, que levará a gestação até o nascimento.

Pesquisadores do Reprocon coletam material genético e biológico da onça Leonço para posterior utilização em técnicas de reprodução assistida da espécie - Foto: Gustavo Fonseca
Pesquisadores do Reprocon coletam material genético e
biológico da onça Leonço para posterior utilização em técnicas
de reprodução assistida da espécie – Foto: Gustavo Fonseca
Pedaço da orelha de Leonço. O cultivo do tecido da orelha em laboratório gera 20 milhões de fibroblastos, células que são utilizadas para o processo de clonagem - Foto: Gustavo Fonseca
Pedaço da orelha de Leonço. O cultivo do tecido da orelha em
laboratório gera 20 milhões de fibroblastos, células que são utilizadas
para o processo de clonagem – Foto: Gustavo Fonseca

Tecnologia a serviço da vida selvagem

Além da clonagem, o Reprocon vem desenvolvendo dispositivos portáteis de microfluídica, criados por impressoras 3D, que permitem coletar e processar sêmen de felinos no campo, sem necessidade de equipamentos laboratoriais complexos. Cada unidade custa cerca de US$ 15 e pode ser reutilizada, o que torna a tecnologia acessível e sustentável.

Essas inovações estão atraindo parcerias internacionais com instituições da Argentina, Colômbia, Canadá e Estados Unidos. Juntas, elas integram um esforço global para usar a biotecnologia como ferramenta de conservação.

Uma estratégia complementar

Os pesquisadores ressaltam que a clonagem, por si só, não salvará a onça-pintada da extinção, mas pode preservar material genético essencial enquanto outras ações avançam, como criação de corredores ecológicos, combate à caça e recuperação de habitats.

Como resume a veterinária e cofundadora do Reprocon, Thyara de Deco-Souza Araujo: “Conservação não depende de uma única fórmula. A clonagem é apenas mais uma peça nesse quebra-cabeça, uma forma de garantir que o legado genético da onça-pintada não se perca antes que possamos restaurar seu espaço na natureza”.

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